BREAKING BAD - O SERIES FINALE

25/05/2014 16:53

 

Atenção: Contém spoilers!

 

     Antes de qualquer coisa, vamos apontar o óbvio nesta última parte da resenha: Vince Gilligan encerrou seu show num series finale que satisfez catarticamente seu público sem precisar, com isso, trair a lógica interna da série, construída tão soberbamente ao longo das cinco temporadas. Sim, sabíamos do final inevitável do protagonista e sim, já sabíamos desde o início da quinta temporada para que serviria toda aquela munição comprada naquela ocasião, gerando um aumento em nossa expectativa sobre quão impactante seria esse final. Assim, amarrando todas estas pistas deixadas anteriormente, Felina cumpriu o propósito sagrado de por fim à um projeto de sucesso de público e crítica, pondo fim à inesquecível trajetória de Walter White e seu alterego Heisenberg, tão magistralmente interpretados pelo fabuloso Bryan Cranston.

     Escrito e dirigido pelo criador da série, Vince Gilligan, Felina tem início com Walter invadindo um carro, tentando dar a partida (carro esse cuja placa contém a inscrição “Live free or die” e que fará rima temática eficiente com o último plano da série) e torcendo desesperadamente para que uma suposta viatura que vem passando ao lado não o aborde (digo suposta porque só o que vemos da viatura são luzes vermelhas e azuis surgindo do meio da névoa da estrada onde se encontra Walter). Em seguida, e após adquirir a munição e a ricina, vemos Walt pondo em prática seu elaborado plano de vingança, quando o acompanhamos “aterrorizar” o casal Elliot e Gretchen, numa longa seqüência cuja tensão é construída aos poucos a partir de uma cuidadosa mise-en-scène de Gilligan e de seus diretores de fotografia, Arthur Albert e Michael Slovis (este último o responsável por grande parte do sucesso estético de Breaking Bad) trazendo o casal conversando enquanto Walt surge, anônimo e silencioso, das sombras. Aí, passamos a acompanhá-lo em primeiro plano, observando a casa dos amigos enquanto o casal ainda conversa trivialidades ao fundo da cena, só para surgir, súbita e sombriamente, diante de Gretchen. Bryan Cranston, aliás, é o responsável por todo o tom da cena, criando um clima de medo somente com sua presença, até o momento em que, com um simples gesto, instaura a tensão ao revelar sua real presença ali.

     Sendo basicamente um episódio todo baseado em Walter “acertando as contas” com aqueles que prejudicou e contra aqueles que pretende se vingar, Felina tem a importante função de trazer um apropriado tom de “finitude” em cada cena apresentada. Assim, se é uma surpresa para os fãs da série a presença de Badger e Skinny Pete (tão freqüentes nas primeiras temporadas) neste episódio final, fica claro que ambos estão ali cumprindo a dupla função de servir como um breve “alívio” cômico e, claro, para “flertar” com a própria história da série, como se fossem uma espécie de revival para os fãs. Este tom de revival, aliás, está também presente no flashback em que Walt surge ao lado de sua família, e de Hank, no exato instante em que Walt se decidiu sobre o caminho que iria tomar.
 
     Mas é mesmo na cena final entre Walt e Skyler que essa sensação de “finitude” se intensifica mais apropriadamente. Aliás, a cena toda é conduzida de forma formidável: enquadrando primeiramente Skyler sentada e ao telefone com Marie, Vince Gilligan, a partir de um sutilíssimo movimento frontal de câmera, nos revela Walter, oculto por uma coluna de madeira posta estrategicamente entre os dois interlocutores (um simbolismo impecável que serve para nos mostrar a “barreira” construída entre o casal). Além disso, a conversa não poderia terminar de forma mais apropriada, com Walt assumindo:
     

     “Eu fiz isso por mim. Eu gostei disso. Eu era bom nisso e (…) eu estava vivo”

 


     Uma cena linda que resume perfeitamente o caráter ambíguo de um protagonista que há tempos se entregara ao lado mais sombrio de sua personalidade. Aliás, a expressiva pausa que Bryan Cranston faz depois de proferir essas palavras (como se engolisse a seco) só aumentou a intensidade emocional do momento, sendo tocante justamente por representar, para o espectador, uma catarse mais do que esperada. Aliás, o que torna essa cena tão forte é justamente a função dela de desmistificar a justificativa repetida à exaustão por Walt desde o episódio piloto, quando na verdade já sabíamos que as razões que o levaram a fazer o que fez estava muito mais relacionado ao seu ego reprimido do que a uma preocupação orgânica com a família. Aliás, é interessante lembrar que o próprio Gus Fring já apontara lá na quarta temporada a fragilidade desta justificativa ao informar, com ironia, que “tudo o que eles fazem/ fizeram, afinal de contas, é sempre pela família”.

     Desta forma é bastante significativo para os fãs de Breaking Bad este momento, pois é a partir daí que o protagonista dá o pontapé inicial rumo ao desfecho de seu fabuloso arco dramático.

     Engana-se, entretanto, que Felina fale sobre “redenção”. Sim, é verdade que Walter aterroriza Elliot e Gretchen para que estes repassem o dinheiro de Heisenberg à família. E sim, é verdade que Walt dá um jeito de livrar Skyler da prisão, mas é inegável que suas ações criminosas deixaram seqüelas que dificilmente serão apagadas e superadas, sendo difícil, neste sentido, qualquer ação positiva que eventualmente pudesse redimi-lo, restando a ele apenas em se esforçar para “aparar arestas” antes de seu fim inevitável. É interessante observar, neste momento, que a postura racional de Walt nunca perde de vista o foco principal de seu projeto. Assim, se sua motivação inicial era prover financeiramente sua família, isto é conseguido através da manobra junto à Elliot e Gretchen; entretanto, sua persona Heisenberg também tem suas arestas a aparar, como a vingança contra Lydia, Todd, tio Jack e companhia, além de Jesse. Este último, aliás, merece um parágrafo só seu.

     De todos os personagens de Breaking Bad, Jesse Pinkman foi aquele que mais pagou o preço pela associação à Walter e conseqüentemente, aquele que mais sofreu com a manipulação do ex-professor, sendo assim a principal vítima de toda a série. Além de testemunhar a morte de pessoas amadas (Jane e Andrea, esta última doeu até nos fãs), testemunhar o envenenamento de Brock e ainda cometer assassinato manipulado por Walter, Jesse foi aquele drogado inconseqüente, cuja evolução de um simples alívio cômico para um individuo amargurado foi conquistando a afeição do público justamente por se constituir numa espécie de “bússola moral” da série, contrapondo-se diretamente à sociopatia crescente de Walter White, tornando sua ingenuidade no elemento responsável diretamente por sua tragédia pessoal. Além disso, a sensível composição de Aaron Paul ajudou muito neste processo de identificação, devido ao seu carisma e presença cênica sempre intensa, vide a vontade com que o ator sempre proferia seu bordão particular, “bitch”. Sua cena final, por exemplo, funcionou neste sentido como uma poderosa catarse, no sentido de levá-lo a sorrir depois de inúmeros episódios de intenso sofrimento.
 
     E como não poderia deixar de ser, Breaking Bad encerra, com Felina, do jeito como sempre foi: tensa, épica e emocionalmente intensa. Esta série, aliás, pode gabar-se de ser um show cuja qualidade só cresceu no decorrer dos anos, pois, se pareceu tímida e até mesmo hesitante em sua primeira temporada só para expandir um pouco mais seu universo em sua temporada seguinte, conseguiu engrenar de forma significativa a partir da terceira temporada, cuja qualidade narrativa, técnica e estética dos episódios não deixou sombra de dúvidas sobre aonde o show queria chegar, alçando-se, com a impecável quarta temporada, ao status de “uma das melhores séries de dramas já feita”, sendo eleita por público e crítica, chegando em sua quinta temporada como uma quase unanimidade.
 
     E encerrando sua narrativa com um final poderoso numa seqüência memorável: Walt, agonizante, andando pelo laboratório de metanfetamina, com o olhar pleno de satisfação. O seu reflexo distorcido no cilindro do laboratório simbolizando sua ambigüidade moral e ética, sendo reforçado ainda pelo close em seu rosto, parcialmente mergulhado nas sombras, com a câmera se afastando gradualmente até o plano plongé que, do alto, observa policiais chegando, em busca de um sujeito que não está mais ali. Já partiu, com um leve sorriso de escárnio que denota o quão satisfeito estava com sua partida.
 
     Walter White cumprira seu projeto iniciado lá na primeira temporada; entrou para a história como um dos maiores (senão o maior) protagonista(s) da história das séries. E Bryan Cranston foi alçado ao status de gênio!

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