BREAKING BAD - PARTE II

25/05/2014 16:47

 

OS SUBTEMAS DE BREAKING BAD E SEU FASCINANTE ESTUDO DE PERSONAGENS

 

  Obs.: Os temas abordados ainda se referem da primeira à quarta temporada! Contém muitos spoilers!

 

     A metanfetamina, principal droga vista no seriado, é um produto concebido basicamente por processo químico e laboratorial. Altamente lucrativa esta droga chama a atenção de Walter White graças, primeiramente, ao seu retorno financeiro. Mas era o processo em laboratório que mais entusiasmava o químico, a princípio. Como todo cientista, Walter é metódico e disciplinador, e o fato de seu produto ser “bem aceito” no mercado e lhe garantir status, dão a ele, como cientista, um prazer que só mesmo os criadores têm por sua criação. Natural. Mas se Walter entusiasma-se pela fórmula por ele criada, ele não compreendia bem a lógica do olho-por-olho daquele mercado onde estava adentrando. E mesmo que seu produto seja rentável e com uma pureza de 99%, seu avanço chama atenção de outros traficantes, que, por direito adquirido à força, não permitem concorrência em seus territórios. E foi neste ponto que Walter compreendeu que sua escolha é irreversível.
 
     Sem poder envolver a família em seu trabalho, por motivos óbvios, Walter só podia contar com a cumplicidade de alguém de dentro daquele meio, seu sócio/ comparsa Jesse Pinkman, cuja experiência como traficante menor facilitaria, em tese, a inserção da "blue meth" de Walter naquele “mercado”. Mas Jesse tinha um ritmo próprio, uma lógica mais cautelosa que o defendia dos grandes traficantes, algo ignorado solenemente por Walter, simplesmente porque o químico tinha suas próprias motivações e urgências (a necessidade de dinheiro para sua família antes que o câncer o mate, que acabou se revelando uma desculpa perigosa), gerando conflitos com Jesse, que só aceita continuar a parceria (depois do incidente com Krazy 8) quando os dois decidem legar sua distribuição à um traficante maior, mais profissional, Tuco Salamanca, residindo, aí, uma parceria perigosa pois Tuco não costumava respeitar acordos.

   A introdução deste personagem à história, aliás, é o gancho que os roteiristas usam para tratar de outra questão, pertinente à narrativa: os cartéis mexicanos e suas regras e condutas próprias. Depois de Tuco, temos a introdução de outros personagens com estas mesmas características, como o traficante/ informante Tortuga e os “primos” de Tuco, que entram em Albuquerque em busca de vingança, culminando num confronto violento e arrebatador com Hank (episódio One Minute, da 3ª temporada). Mais adiante, com a entrada de Gus na história, somos apresentados à distribuição de metanfetamina em larga escala, não só no Novo México, mas boa parte dos estados do sul dos EUA. Há uma seqüência, em particular, no melhor estilo Cassino, que ilustra esta distribuição, mostrando que, após o seu cozimento, o produto é empacotado e escondido em caixas de alimentos, destinados à rede de lanchonetes Los Pollos Hermanos, empresa de fachada de Gus, sendo estas caixas marcadas com um selo especial e depois distribuídas entre traficantes locais em vários pontos dos estados.

    Em Breaking Bad, o mercado das drogas é mostrado com uma quantidade de detalhes que impressionam pela sua verossimilhança, mostrando a racionalidade da mesma sem a necessidade maniqueísta de condená-la como algo maléfico ou destrutivo. Pelo contrário. Essa patrulha ideológica foi inexistente no show. Ao invés disso, os roteiristas se preocupavam em estabelecer seus personagens em seus devidos contextos. Assim, é normal que Skyler reaja à vida criminosa de White com repulsa e frustração. Talvez seja por isso que ela busque em Ted Beneke o escape ideal através do sexo, pois estes momentos de intimidade com o chefe a permitem fugir da realidade que Walter a colocou. E o fato de não poder contar à sua família o motivo da separação com o marido é algo que a enraivecia ferozmente. E quando ela conta ao marido que o traiu, não deixa de ser uma tentativa ingênua de vingança e uma frágil artimanha para afastar o marido.

    E quanto à Hank, mostrado no início do seriado como um dedicado agente de combate às drogas completamente à vontade em campo, e logo após o confronto com Tuco e sua conseqüente promoção para o trabalho em El Paso, o vemos com sintomas claros de síndrome do pânico, logo após testemunhar um atentado aos agentes daquela jurisdição, culminando mais adiante, na agressão à Jesse, pondo sua carreira em risco e ficando vulnerável aos ataques dos “Primos” que, só não o matam porque Hank conta com a intervenção de Gus, numa estratégia concebida para colocar os cartéis em confronto direto com os agentes anti-drogas americanos e, assim, poder assumir sozinho o controle do mercado interno de drogas da fronteira. Este estratagema é revelado numa seqüência magnífica aonde Walter vai revelando os detalhes à Gus, culminando numa reflexão, por parte deste último, que põe por terra a justificativa inicial de Walter ter entrado no “jogo”: Gus diz: “Tudo o que nós fazemos, afinal de contas, é por nossa família!”, esclarecendo aos espectadores que a iniciativa em prover sua família não justificam as escolhas reprováveis feitas por Walter, que, a rigor, atingem a todos: Skyler, Walter Jr, Hank, Marie e Jesse que, em particular, o culpa por todos os infortúnios que sofreu desde que reatou relações com o antigo professor. Afinal de contas, Gus sabia desde o início que Walt se transformaria no monstro abominável que o protagonista se transformou.

     Ainda em relação à Jesse Pinkman, este é o personagem que transitava nas primeiras temporadas unicamente no mundo da marginalidade. Era através dele que testemunhávamos o lado mais sombrio, miserável e opressivo de Albuquerque. Era ao lado dele que compartilhávamos os momentos de degradação dos viciados. Rostos e corpos moldados pelo vício. Fantasmas que viviam para “curtir um barato” e ficarem “altos”. Mas no seu íntimo, percebíamos fagulhas de humanidade, como a prostituta que recusa manter relação com um adolescente e, mais tarde, recusa-se em matar, mesmos as vítimas sendo facínoras declarados. Ou como Badger e Skinny Pete, amigos de Jesse, que o questionam quanto à idéia dele em vender drogas em reuniões dos narcóticos anônimos.

  Jesse Pinkman, ele mesmo em vários momentos demonstrou uma humanidade e compaixão que contribuíram decisivamente para tornar seu personagem um dos mais queridos e carismáticos da série, estabelecendo uma identificação fácil com o espectador ao se mostrar um sujeito falho, mas com imensas qualidades que sempre estavam em contínuo conflito com o lado ambíguo do personagem. Primeiro, ao livrar a barra do irmão ao assumir um cigarro de maconha onde, logo em seguida, jogou o mesmo no chão e o esmagou. Antes disso, ao ter que lidar com o corpo de um traficante morto, demonstrou repulsa / pena por ter que fazer aquilo. No episódio Pekaboo, da 2ª temporada, mais uma vez mostrou compaixão ao não permitir que uma criança visse o pai viciado morto por sua esposa viciada. Mas é quando Jesse acorda e vê sua namorada morta ao seu lado, afogada em seu próprio vômito, que seu mundo e sua tênue percepção moral desabam de vez, num dos momentos mais tristes e tocantes do seriado e certamente um dos melhores momentos de Aaron Paul em toda a história (ao lado do genial monólogo proferido em Problem Dog, ou o confronto com Walt, em End Times, da 4ª temporada).

     E é esse inconformismo diante do absurdo daquele ambiente violento que fazem de Jesse um inconseqüente, como ao tentar lidar com os assassinos de um jovem aviãozinho, mesmo sendo alertado que aquele embate não era “bom para os negócios”. E eis que, no final da 3ª temporada, sua negação ao recurso da violência é questionada, sendo manipulado por Walter para matar determinado personagem a fim de manter o interesse de Gus em Walt. E quando Jesse mata Gale friamente, ocorre uma ruptura emocional neste. Quando a 4ª temporada começa, Jesse está mudado. Ele volta a se drogar. Sua casa vira um ambiente apocalíptico. A escória se muda para lá, como se Jesse Pinkman tivesse se transformado num Tyler Durdeen sem propósito. Mas mesmo assim, diferente de outrora, quando torcíamos por ele, existe algo abaixo da superfície que parece dizer algo. Sempre havia algo lutando na mente de Jesse Pinkman, mas Aaron Paul só nos permitia vislumbrar tão somente uma aparente inquietação, que só não transbordava de vez graças à intervenção de Mike, ao tirá-lo do vício e mostrando a Jesse que ele podia ser “especial”. E é essa relação com Mike que fez Jesse questionar os propósitos manipulativos de Walt, rompendo-o com este. O que Jesse não contava é que Walt, um ser de intelecto mais privilegiado, o manipularia mais uma vez para ajudá-lo em seus propósitos (refiro-se ao fabuloso e inesquecível episódio Face Off, Season Finale da 4ª temporada). E é no close em certa planta que os produtores “plantam” (ops!) o "Cliffranger" perfeito para a 5ª e última temporada, e que nos fez esperarmos ansiosos pelo desfecho da história deste complexo personagem.

     Mais eis que voltemos à Walter White e sua família. Bom como pai de família, desprezível como criminoso. A vida dupla de Walt tornou sua esposa numa cínica que não perdia a oportunidade de jogar na sua cara a sua culpa nessa transformação (em certo momento, ela diz: “estou protegendo minha família daquele que diz proteger minha família!”). E nesta irremediável transformação de Skyler em comparsa de White, víamos nas entrelinhas certa fascinação pelo "negócio" do marido, e Skyler a assume também com motivações e objetivos “genuinamente justificáveis”. E isso foi se dando na medida em que ela foi se apaixonando pela vida confortável de Ted Beneke, naquela cena onde ela comenta sobre o prazer que o piso do banheiro do chefe dava a seus pés. Esta transformação reflete-se, além disso, na própria transformação física da personagem, adotando um estilo mais sexy e despojado. E assim, durante todo o processo em que Hank esteve internado, teve o tempo necessário para bolar o álibi perfeito para Walt, forjando uma história a ser vendida para todos, na tentativa de tornar o dinheiro de Walt limpo aos olhos do público. E este processo de aproximação com o marido culminou na reaproximação deles como um casal, mas somente depois que Skyler percebeu que estava completamente à vontade em seu novo papel e, mesmo assim, ao se certificar que ela própria poderia manipular Walter em seu novo papel. Ledo engano. É tarde demais para Walt abandonar aquilo tudo. Pelo menos, não sem ele fazer certas escolhas moralmente reprováveis – como bem mostrou o fabuloso jogo de gato-e-rato em Face Off. Aliás, as consequências deste episódio final da quarta temporada praticamente determinou a postura passiva que víramos na temporada final.

     Quanto à Walter White, sua aproximação com a esposa resgata algo que para ele é primordial na justificativa de seus atos, mesmo sabendo que ela já está irremediavelmente mudada. Mesmo assim, Walter esconde de Skyler o aspecto mais perigoso e imprevisível de sua relação com Gus, lhe permitindo saber somente do aspecto mais, digamos, fiscal do negócio. Mais Skyler não é mais ingênua e ela já percebeu que o “trabalho” de Walt pode voltar-se contra ela e seus filhos (daí a preocupação com o suposto fim do contrato de Walter com o seu sinistro empregador). Essa preocupação, aliás, é a principal base dramática adotada no final da 4ª temporada, começando naquele momento em que Walt percebe que suas “economias” foram gastas por Skyler, levando-o ao desespero absoluto, numa das seqüências mais geniais de todo o projeto (e de Cranston como intérprete).

     Mas Walter já havia ultrapassado a barreira do assassinato. Já tinha levado Jesse consigo. Já havia deixado Hank exposto. Sua cara de preocupação com relação à Jesse em determinada cena demonstrava o quanto ele sabia naquele momento o quanto havia arruinado o rapaz. E sua tentativa patética de matar Gus e tentar chamar Mike para o seu lado são provas do quanto ele ainda oscilava entre suas duas personas. E o momento em que ele chora, se lamentando pelo rompimento com Jesse, quando Walt encontra-se com Walt Jr., é tocante por permitir a Cranston mais um momento de particular sensibilidade, compartilhada, ainda, com a sensível interpretação de RJ Mitte, que não se deixa ofuscar nesse momento.

     O fato é que, mesmo condenando o aspecto violento do comércio de drogas, como o assassinato, por exemplo, Walter não hesita em usá-la quando este recurso é útil á ele. Assim, Walter tornou-se um hipócrita. Uma hipocrisia que começou no momento em que ele quis vender drogas e, na ânsia de fazer um produto com qualidade superior aos concorrentes, estabeleceu para si mesmo que faria aquilo pela família, negando a si próprio as conseqüências de seus atos, desde o perigo que enfrentaria com os cartéis e demais traficantes, até a contribuição direta à um vício que devasta aquela cidade. E o único que percebeu a inconseqüência dos atos de Walter foi Jesse, pois este já compreendia a tênue relação entre traficantes e viciados. E assim, Walter White, como um cientista de intelecto privilegiado se permitiu errar em seu diagnóstico sobre aquilo que estava adentrando por pura arrogância. E foi essa arrogância que fez as pessoas ligadas à ele pagarem por seus pecados, já que, para o químico, sua liberdade viria com o câncer. Aliás, a julgar pela imagem final de Walt na 4ª temporada, percebemos que a aparente inquietação e frustração dele no começo do seriado ocultavam, na verdade, seu principal caráter, já que Walt sempre se esforçou para ser uma boa pessoa, quando, na verdade, sempre foi Heisenberg a vida toda, sem a oportunidade ideal pra se libertar.

     E se, até a 3ª temporada achava que Breaking Bad caminhava para uma resolução no mínimo pessimista, o ritmo lento e aparentemente sem propósito da 4ª temporada, criou uma clima tão intenso que a Season Finale chegou explodindo como se fosse uma panela de pressão, mostrando coragem ao trazer uma resolução de temporada com cara e jeito de Series Finale, flertando com a possibilidade, afinal de contas, de um happy end. Mas se há algo que Breaking Bad soube fazer foi subverter nossas expectativas ao descartar soluções fáceis. Antes das drogas e da criminalidade, esta sempre foi uma série sobre pessoas, um estudo de personagens fascinante que não aceita a condescendência só para ter alguns números a mais na audiência. Isso não funciona em Breaking Bad, embora a série freqüentemente flerte com o simbólico e o farsesco, com toques de um humor peculiar sem exageros (a referência à House, no episódio Face Off é fabulosa!).

     E se a imagem de determinado personagem, com a cara esfacelada depois de uma explosão soava caricata para alguns, dentro das regras estabelecidas pelo show foi apenas mais uma prova de que os produtores e roteiristas do seriado estabeleceram uma autoralidade difícil de ser copiada (a referida cena me fez literalmente saltar da cadeira de tão empolgante! Ah, se eu soubesse o que ainda viria na quinta temporada...). E ao mostrar Walter White vitorioso, no final da 4ª temporada para, em seguida, fechar com uma imagem que ilustrava até onde ele poderia ir para alcançar seus objetivos, sugeriu aos espectadores que sua 5ª e última temporada teriam ele como centro absoluto do projeto. Para o bem ou para o mal. E foi o que aconteceu e que será melhor ilustrado na terceira e última parte desta resenha!

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