X-MEN: DIAS DE UM FUTURO ESQUECIDO

07/06/2014 03:38

 

Atenção: contem “spoilers”!

 

Nota do Site: 5/ 5

 

É absolutamente improvável mensurar com precisão o grau de influência que o “selo” X-Men têm na cultura pop universal, seja pela quantidade de fãs existentes ao redor do mundo, seja pelo imenso potencial na criação de heróis marcantes e complexos. Criados por Stan Lee e Jack Kirby em 1963, os X-Men por se tratarem de indivíduos dotados de poderes especiais em decorrência da mutação genética, foram logo convertidos à condição de metáfora acerca da discussão sobre o preconceito, intolerância e discriminação, alcançando popularidade também no decorrer das décadas ao se constituírem como a primeira HQ a conceber personagens dos mais variados cantos do planeta e das mais diferentes etnias, algo raro no mercado de quadrinhos americanos. Assim, foi com extrema satisfação que a adaptação cinematográfica de 2000 seguiu à risca a premissa estabelecida por Lee e Kirby e trouxe à tela os carismáticos personagens numa trilogia eficiente e desenvolvendo arcos dramáticos fascinantes, sobretudo aqueles ligados à Wolverine, Jean Grey, Mística, Charles Xavier e Magneto.

Além disso, os realizadores conceberem narrativas particularmente diferentes dos quadrinhos, salientando bem mais o foco no que diz respeito ao drama da perseguição e da intolerância aos mutantes, ao mesmo tempo em que davam início a uma nova trilogia, iniciado eficazmente com X-Men: Primeira Classe, e agora com o lançamento do impactante X-Men: Dias de um Futuro Esquecido.

Baseado numa das melhores e mais populares sagas do Universo Marvel, Dias de um Futuro Esquecido já abre com uma cena marcante: num futuro devastado, milhões de mutantes e humanos são vistos empilhados enquanto, num outro cenário igualmente devastador, os robôs Sentinelas se aproximam e enfrentam os mutantes remanescentes: Homem de Gelo, Kitty, Colossus, Mancha Solar, Bishop e Blink. Depois de aparentemente serem exterminados, somos informados de que Kitty Pride desenvolveu a habilidade de “lançar” qualquer indivíduo dias ou semanas no passado, evitando, assim, o extermínio ao manipular continuamente o tempo. Desta forma, com a introdução de Xavier, Magneto, Wolverine e Tempestade à história, esta habilidade de Kitty será usada para enviar Wolverine ao passado (dez anos depois dos eventos vistos em First Class) a fim de que este, junto a Charles e Magneto localize e convença a jovem Mística a não assassinar Bolívar Trask, criador das Sentinelas, pois este ato gerará uma cadeia de eventos que impulsionarão a construção dos robôs a partir do DNA da mutante.

Concebendo aquele que certamente é o mais sombrio, emocional e dramático de todos os cinco filmes dos X-Men, Bryan Singer acerta em cheio no tom deste novo filme ao centralizar os principais esforços dos mutantes nas mãos daqueles que são inquestionavelmente os mais queridos personagens daquele universo: Wolverine, Charles, Magneto e Mística. Assim, sabendo de antemão da premissa deste novo filme, conhecemos o suficiente destes quatro para saber que as coisas dificilmente sairão como o planejado, o que beneficia o filme ao dar-lhe urgência e inquietação na medida certa.

Além do mais o filme (escrito por Simon Kimberg ao lado de Jane Goldman e Matthew Vaughn) concebe duas linhas temporais totalmente independentes visual e narrativamente: enquanto acompanhamos Logan em seus esforços para cumprir sua missão, seus amigos esforçam-se em se manterem vivos num cenário onde os mutantes remanescentes encontram-se acuados e temerosos, sendo sintomático, por exemplo, a expressão sempre tensa do outrora ameaçador Magneto (Ian McKellen) e do agora hesitante Professor Xavier (Patrick Stewart).

 Outro aspecto fascinante do longa gira em torno do interessante contraponto que se estabelece entre os dois cenários: se enquanto no passado os roteiristas são hábeis, por exemplo, em desenvolver com eficácia a revelação pública dos mutantes por meio de Mística, Magneto e Fera, no futuro a extensão do extermínio e da devastação é revelada por uma fotografia suja e continuamente mergulhada nas trevas, parecendo não haver mais ninguém por ali.

Neste aspecto, palmas também para a belíssima montagem de John Ottman e Michael Louis Hill ao imprimirem um equilibrado ritmo entre ambos os cenários, estabelecendo urgência ao contrapor a aproximação dos Sentinelas ao refúgio dos mutantes, no futuro, enquanto que, no passado, nossas atenções voltam-se à busca de Logan, Charles e Hank por Magneto e Mística. Aliás, como se já não bastasse, a ótima montagem guarda ainda para o final a sua melhor seqüência: aquela onde, numa montagem paralela, vemos o dramático embate dos mutantes no futuro enquanto que no passado tudo se restringia dramaticamente a uma simples escolha para que os eventos do futuro pudessem ser alterados. Mesmo assim, confesso que não deixei de me sensibilizar pelo destino de alguns “queridos” personagens, mesmo já adivinhando qual seria a “escolha” da tal personagem em questão. E o que dizer da seqüência envolvendo Mercúrio?

E se as escolhas estéticas e técnicas de Dias de um Futuro Esquecido funcionam tão bem é porque encontram eco nos fabulosos arcos dramáticos desta excelente franquia, e uma das decisões mais acertadas para este novo filme foi manter foco na tênue relação entre Xavier e Magneto, sobretudo dando continuidade à história deles iniciada no filme anterior: unidos pelas circunstâncias dramáticas do futuro, os dois amigos/ inimigos agora esperam Logan reuni-los no passado e convencê-los a mais uma vez atuarem juntos a fim de mudarem a realidade apocalíptica que os espera, algo nada fácil pois Charles encontra-se deprimido e desacreditado de si mesmo, enquanto que Magneto insiste na idéia de declarar sua guerra contra os humanos.

James McAvoy, neste sentido, merece créditos ao apresentar um Xavier torturado pelos acontecimentos do filme anterior, surgindo hesitante, inseguro e instável, algo que será pacientemente desenvolvido ao longo de todo o filme (sobretudo com o auxilio de Logan, numa interessante inversão de papéis entre os dois). Além disso, é digno de aplausos a dinâmica que o ator estabelece com Jennifer Lawrence e Michael Fassbender em cena, demonstrando, nestes momentos, um universo de sentimentos complexos e contraditórios.

Michael Fassbender, por outro lado, continua em pleno processo no desenvolvimento de sua breve e já brilhante carreira. Sua composição para Magneto fascina pela tridimensionalidade, pois, mesmo nutrindo uma indiscutível fraternidade e afetividade por Charles e Raven, respectivamente, seu ódio e revolta contra os humanos é ainda maior, assumindo nestes momentos uma vilania que se expressa através de um pragmatismo particularmente eficiente e cruel. Esta característica, aliás, é apenas a continuidade de um desenvolvimento de personagem estabelecido anteriormente pelo genial Ian McKellen. E se existe algo que comprova o papel inquestionável de Magneto como vilão fundamental dos X-Men é a sua imprevisibilidade ao sair de uma situação de parceria para assumir planos próprios bem como o alcance de seu poder, aqui mais uma vez retratada em larguíssima escala e auxiliado por um soberbo trabalho de efeitos visuais.

E se a dupla Fassbender-McAvoy ganha generoso tempo de tela, os veteranos Patrick Stewart e Ian McKellen conseguem ao menos se destacar em suas poucas, porém importantes cenas, com destaque para o momento onde um machucado Magneto estende a mão para o velho amigo Charles e um diálogo proferido ali me fez lembrar de outro diálogo igualmente comovente proferido por Magneto em X-Men: Confronto Final. Além do mais, o momento em que Stewart contracena com McAvoy mostra-se como um presente para qualquer fã do Universo X-Men, uma cena emocionalmente satisfatória e repleta de significado, ao nos permitir constatar a irretocável liderança do “velho Xavier” aconselhando sua versão mais jovem acerca do seu papel como mentor.

E se Charles Xavier e Magneto são satisfatoriamente bem desenvolvidos, Hugh Jackman mostra-se fascinante por permitir-se compor um Wolverine um pouco diferente dos filmes anteriores: ao invés do mal-humor característico de seu personagem, o ator aqui adota uma gentileza que será fundamental para ajudar Charles a recuperar a auto-estima. Além disso, Jackman conhece tão bem seu personagem que o ator não precisa de diálogos para desenvolver seu personagem, bastando gestos mais sutis para comunicar qualquer informação mais relevante ao espectador, como nos momentos em que Logan percebe que suas garras não rompem o aço com a mesma facilidade que a sua versão futura pois, a rigor, ele ainda não participou do projeto Arma-X, ou no instante em que ele se surpreende ao passar por um detector de metais e sua expressão é nada menos do que hilária. E a cena em que Wolverine diz a Magneto que ambos são “sobreviventes”, a expressão de Jackman é tão complexa que me levou a pensar que a personalidade conturbada de Logan tivesse muito mais correlação com Magneto do que com Charles, o que salienta ainda mais o caráter de Wolverine e sobretudo a relação de confiança entre ele e Xavier.

Para completar, temos ainda a participação não menos importante de Jennifer Lawrence e Peter Dinklage. A primeira, destaca-se por dar continuidade ao fabuloso arco dramático estabelecido no filme anterior, demonstrando para o espectador a complexa relação de Mística com Magneto e Charles, mais destacando sobretudo os próprios anseios da moça, que de acordo com os eventos vistos neste filme, podem se constituir numa perspectiva totalmente diferente da defendida por Magneto e Charles. E por último temos Dinklage, que se destaca sobretudo por dar personalidade a um personagem que poderia facilmente ser ofuscado pelo talentoso elenco que Singer tem em mãos, mas que aqui pontua com eficiência as reais intenções e ideologia por trás das escusas ações de Bolívar Trask.

Mostrando-se bem mais ambicioso do que qualquer filme anterior da franquia, X-Men: Dias de um Futuro Esquecido apresenta um roteiro que se permite tomar liberdades criativas em relação tanto à saga original dos quadrinhos, quanto à trilogia original, sobretudo no que diz respeito aos eventos ocorridos em X-Men: O Confronto Final, mostrando-se bem-sucedida em relacionar organicamente a história com eventos históricos da recente história americana ao mesmo tempo que expande eficazmente a franquia e imprime ainda mais uma personalidade própria para os X-Men distinta dos quadrinhos (o que é bastante positivo, vale lembrar). Além do mais, os flashbacks relacionados à Wolverine no marcante encontro com o “jovem” Stryker bem como o instante em que Charles vislumbra as lembranças de Wolverine com a Fênix, serviu tanto para brincar com o imaginário dos fãs a respeito dos filmes anteriores quanto como elemento dramático eficiente no desenvolvimento daquele fascinante personagem.

Tecnicamente competente e dramaticamente satisfatório, X-Men: Dias de um Futuro Esquecido comove ainda em seu empolgante e tenso terceiro ato, sobretudo no instante em que Logan desperta numa outra realidade (seria uma realidade “paralela” ou “alterada”?) e “reencontra” seus amigos. Neste instante, o filme ganha uma coragem absoluta ao se permitir flertar com uma nova cronologia, alterando radicalmente eventos da trilogia original. E o instante em que Logan reencontra determinado(s) personagem(ns) emociona justamente por depender de nosso carisma e simpatia por uma saga que soube melhor do que qualquer outra franquia de HQs, usar problemas reais da sociedade, como a intolerância e o preonceito, como premissas de suas empolgantes histórias.

E que venha o Apocalipse!

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