A ÁRVORE DA VIDA

24/05/2014 17:55

 

 Nota do Site: 5/ 5


     A Árvore da Vida é uma obra-prima belíssima que, enfocando o luto de uma família comum dos Estados Unidos, expande este conceito para questões existenciais e metafísicas, culminando, assim, numa poderosa poesia visual no qual as relações familiares nunca deixam de ser o foco de atenção. Adotando uma abordagem intimista do inicio ao fim, este filme tem como méritos discutir o ciclo da vida ao mesmo tempo em que nos permite acompanhar, quase como se tivéssemos uma lupa, o drama familiar vivenciado pelos O’Brien.

     Escrito e dirigido por Terrence Malick, o filme (cuja idéia fora esboçada há décadas) tem início quando o casal O’Brien (vividos por Brad Pitt e Jessica Chastain) recebe a noticia da morte de um dos seus filhos, lidando, cada um a seu modo, com esta dor. Enquanto isso, o primogênito Jack O’Brien (vivido por Sean Penn na fase adulta), restabelece contato com a família depois de anos, iniciando um processo de auto-questionamento a fim de tentar compreender sua relação com o irmão morto, onde, inevitavelmente, o levará à questionamentos existencialistas sobre o porquê daquela tragédia com o irmão e porque Deus assim o permitiu. “Onde o Senhor estava que permitiu tudo isso?”, diz Jack, in off, dando inicio à um longo flashback que se inicia no momento do Big Bang, passando pela formação dos primeiros seres unicelulares até o desenvolvimento dos primeiros animais, indo parar no lar dos O’Brien, quando o bebê Jack nasce e, sob o olhar admirado dos pais, passa a se desenvolver ao lado dos irmãos que virão.

     E é neste momento que a abordagem intimista e magnífica do diretor de fotografia Emmanuel Lubezki ganha força, já que, mantendo a câmera sempre próxima e ao lado dos atores, estabelece uma conexão direta com o espectador, nos permitindo participar do filme, como se fôssemos mais um integrante daquele família. E as cenas envolvendo o bebê Jack enquanto este começa a interagir com o mundo emocionam justamente porque nos identificamos com aquela família naqueles momentos de fraternidade e cumplicidade. E confesso que meus olhos marejaram quando o bebê Jack começou a dar os primeiros sinais de revolta ao ver sua mãe cuidando do filho mais novo, só para depois, ele se aproximar do irmão e, com um leve toque de mãos, estabelecerem uma inevitável fraternidade que se estenderia por toda a vida.

     Mas a estratégia de manter a câmera sempre próxima não é somente a principal contribuição de Lubezki. O filme todo está oscilando entre o intimismo e o simbolismo de algumas cenas, como na representação visual do nascimento de Jack, quando vemos a Sra. O’Brien correr num bosque com crianças vestidas de branco, se aproximar de um deles com um pequeno livro e, este mesmo menino, após encontrar-se submerso num quarto, emerge de encontro à luz. Há também, a árvore dos O’Brien que, plantada pelo jovem Jack, se tornará a principal metáfora do filme (daí o título), representando uma espécie de genealogia humana iniciada no Big Bang e finalizada com a destruição da Terra pelo calor do Sol (uma das últimas cenas do filme!).

     Mas se Lubezki mais uma vez mostra sua genialidade como diretor de fotografia, Alexandre Desplat pela segunda vez no ano (foi dele a trilha sonora de As Relíquias da Morte 2) cria uma memorável composição, estabelecendo com eficiência a melancolia sugerida pelo luto dos O’Brien, ao mesmo tempo em que constrói um clima mais agridoce que culminará na cena final onde Jack, numa praia, encontrará todas aquelas pessoas que participaram de sua vida para, finalmente, achar a resposta para suas indagações.

     Falando em Jack, é impressionante como, em poucas cenas, Sean Penn se mostra genial em sua composição. Observem, por exemplo, como ele mantém a mesma postura encurvada de seu intérprete mais jovem, num preciosismo digno de nota. Além disso, Penn, logo no começo, nos permite vislumbrarmos um pouco de sua personalidade complexa, ao vermos ele olhar, de relance e com certo “interesse”, uma moça que passa ao seu lado e, em outro momento, ao interagir com certa desenvoltura com outros funcionários, reproduzindo basicamente o mesmo tipo de comportamento do pai, Sr. O’Brien.

     O Sr. O’Brien, vivido por Brad Pitt, é outro que se destaca por sua personalidade complexa. Se logo no inicio o vemos paralisado com a notícia da morte do filho, com o desenrolar da trama vamos observando melhor este sujeito. Quando seu primogênito nasce, tudo é novo pra ele também (daí o momento em que ele toca nos pequenos pés do filho). Sempre presente nesta fase da criação, busca ensinar aos filhos aquilo que acredita e, com isso, inconscientemente, vai moldando-os à sua semelhança. Mas o mais impressionante na composição de Pitt é como ele, mesmo carinhoso, consegue deixar os filhos amedrontados e/ou desconfortáveis em sua presença, exalando uma autoridade que contrasta com a forma permissiva e ingênua que a Sra. O’Brien (Jessica Chastain) lida com os filhos, mesmo essa sendo submissa ao marido.

     Quanto ao jovem Jack, me surpreendeu a qualidade da interpretação do jovem Hunter McCracken, já que suas mudanças de personalidade no decorrer da trama surgem a partir de mudanças de comportamento que dispensam diálogos. Indubitavelmente o favorito do pai, que o instrui desde pequeno a ter uma postura de liderança e comprometimento, é exatamente por causa dessa pressão que ele passa a se questionar se está a altura do pai, ou se o pai gosta mesmo dele. E quando seu irmão (aquele que irá morrer) passa a, gradualmente, assumir a condição de favorito, é que o jovem Jack inicia um processo de rebeldia juvenil que o colocará em conflito com o pai.

     E aqui residem outros momentos magníficos do filme que valem a pena serem descritos. A primeira é a cena em que o Sr. O’Brien, enquanto toca piano, observa o filho mais novo tocar as mesmas notas no violão, e, mais adiante, o Sr. O’Brien segura o filho mais novo pelo queixo, reconhecendo-se nele. Nas duas cenas, o olhar de satisfação do pai é nítido, causando, assim, uma mudança de comportamento em Jack, que agora se vê ameaçado pelo irmão mais novo. E é interessante que Malick tenha escalado um ator tão semelhante a Pitt para o papel de irmão mais novo, demonstrando mais uma vez seu olhar para os detalhes.
     
     Além desses, existem outros momentos no filme digno de registro: a cena que Jack caminha com o pai e começa a imitá-lo no jeito de andar; Jack e os irmãos, andando na rua com a mãe, observam um bêbado e começam a imitá-lo, só para depois se depararem com um deficiente e, instintivamente, param de fazê-lo; a seqüência onde Jack, sem querer, quase machuca o irmão e, em seguida, busca se redimir, tentando agradá-lo de todas as formas. E o que dizer mais uma vez do preciosismo de Malick, ao mostrar o jardim dos O’Brien, outrora belo e depois, mal cuidado e abandonado, numa alusão à mudança de comportamento de Jack, já que era ele quem cuidava do jardim.

     Por último, é importante destacarmos toda a discussão religiosa existente no filme e, como vimos, está presente do inicio ao fim. Logo no primeiro fade, lemos uma citação de Jó, que diz: “Onde estavas tu quando eu fundava a Terra? Quando as estrelas do céu juntas alegremente cantavam e todos os filhos de Deus jubilavam?”. Essa citação terá correspondência mais adiante, no momento em que Jack se auto-questiona pela tragédia do irmão mais novo, tendo como resposta a longa reminiscência iniciada com o Big Bang, o que nos permite pensar nos principais conceitos que permearão todo o longa: os conceitos de natureza e graça, sendo introduzidos, neste sentido, pela personagem de Chastain, que lhes atribui significados opostos.

     Entre outras palavras, para a personagem, estes conceitos dizem respeito à forma como as pessoas escolhem viver, ou seja, quem vive pela/ para a natureza tende a levar uma vida impulsiva, almejando algo em troca, ao passo que quem vive pela/ para a graça, não almeja para si, tende a ter uma vida altruísta. Estes conceitos, inclusive, explicam a forma como os personagens principais vivem, sendo que Jack pode ser perfeitamente uma amálgama desses dois perfis, daí sua necessidade de buscar compreender seu passado e se reconciliar com o pai.

     Nessa busca por compreensão e entendimento, os personagens estão constantemente atrás de compreenderem as razões para seus sofrimentos, se questionando o tempo todo sobre o “silêncio de Deus”, quando, na verdade, esse questionamento está relacionado à forma como aqueles indivíduos levam suas vidas (de acordo com o trecho acima). Mas se Deus se recusa a falar com eles, ele ao menos se insinua a partir dos detalhes, desde os pequenos momentos de felicidade e cumplicidade do cotidiano, até à grandiosidade dos cenários naturais, vistos no filme. Para Malick, paraíso e inferno são opostos que se digladiam no íntimo dos personagens.

     E se Deus não se mostra fisicamente, está representado na força destruidora/ renovadora da natureza e, se lá atrás ouve uma explosão inicial, no final do filme somos apresentados ao apocalipse, a partir da destruição da Terra pelo Sol. E o que vemos a seguir pode ser perfeitamente uma representação visual do limbo, onde Jack encontra-se com todos aqueles que fizeram parte de sua vida, e ali, abraçado com o irmão morto, sua mãe e seu pai, encontra a paz que tanto almejara. E a idéia de ciclo se completa, encerrando de vez o drama daquela família tão comum, mas tão próxima de nós, graças à abordagem de Terrence Malick.

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