360, de Fernando Meirelles

24/05/2014 21:35

 

Nota do Site: 4/ 5



     360, de Fernando Meirelles, fala de indivíduos que, mantendo relações inconscientes entre si, formam um pequeno mosaico humano cujo propósito diz respeito à implicabilidade de nossas ações, sem percebermos que estas podem interferir na vida ou nas simples escolhas de terceiros e isso, neste caso, corresponde à vida de indivíduos dispersos ao redor do mundo. E se esse trecho soou relativamente cafona ou piegas para você, não se preocupe, já que Meireles, sendo o diretor talentoso e cosmopolita que é, compreende perfeitamente que uma obra desse tipo se sai melhor optando por escolhas dramáticas que salientam as origens dos personagens em tela. Assim, o filme é concebido a partir de micro-narrativas que vão se cruzando durante os 115 minutos de projeção, criando pequenos conflitos que tem importância não porque formam complexos arcos dramáticos, mas porque explicam um pouco sobre cada um daqueles indivíduos, mesmo apostando em pequenas coincidências aqui e ali.

    Logo no início da projeção, somos apresentados à ‘Blanka’ (Lucia Siposová), cujo ensaio fotográfico do qual participa revela-se como um portfólio para um site de acompanhantes de luxo, o que acaba em seguida, a nos apresentar ao inseguro executivo Michael Daly (Jude Law), que está em Viena para fechar negócios, enquanto sua esposa Rose (Rachel Weisz), envolve-se com o amante Rui (Juliano Cazarré), que, por outro lado, descobre-se abandonado pela namorada Laura (Maria Flor) que, por conseguinte, interessa-se pela tocante história de John (Anthony Hopkins), estabelecendo com ele uma forte empatia durante o vôo. No aeroporto, encontra-se também Tyler (Ben Foster), um maníaco sexual em reabilitação, esperando para seguir rumo à sua cidade natal. Além dessas histórias, somos também apresentados à Valentina (Dinara Drukarova), cujo casamento com o frio e distante Serguei (Vladimir Vdovichenkov) a fez se aproximar de seu chefe (Jamel Debbouze), cujo amor declarado à sua assistente encontra resistência em sua religião, já que o Islamismo proíbe veementemente o adultério. E por último, temos a história do próprio Serguei, cujo trabalho de guarda-costas para um obscuro executivo o impede de manter uma relação estável com a esposa.

    Como disse anteriormente, a quantidade exagerada de personagens aliada à curta duração do filme (115 minutos não são suficientes, a meu ver), além de não permitir uma abordagem mais profunda de todos os arcos dramáticos, impede que os espectadores se importem emocionalmente com estes personagens, já que a rigor são pouquíssimas cenas a que estes indivíduos tem direito. Exemplo disso é o personagem Rui, que basicamente aparece para transar com sua amante, vai para sua casa e… pronto! Já teve sua história contada. E porque, por exemplo, dar uma importância maior à personagem Anna (Gabriela Marcinkova), no terceiro ato, se durante todo o filme ela mal aparece?  E o que dizer do personagem que, chantagista numa cena específica, reaparece na última vendo determinado casal interagindo, mostrando-se particularmente “tocado” por aquilo?

   Além disso, embora abuse de recursos estilísticos batidos, como telas divididas e metáforas visuais (aviões e trens cruzando a tela; bifurcações), o filme acerta, por exemplo, em estabelecer com eficiência o estado de espírito de seus protagonistas a partir de certas escolhas de enquadramento, como por exemplo, certo personagem, visto de costas e no canto do quadro, salientando sua solidão e, em outra, uma transa filmada quase em plano-detalhe só para depois, num corte seco, mostrar a personagem sozinha na cama, em estado de culpa. Além disso, Meirelles acerta nas sugestivas locações, como: quartos de hotéis, ruas, ônibus, aeroporto e também o uso correto de certos planos gerais para sugerir anonimato e indiferença.

    Narrativamente, certas passagens mostram-se bem-sucedidas, como o breve momento em que a esposa de Daly olha o seu marido interagir com a filha; Tyler e a sequência passada num quarto de hotel e num banheiro (e reparem também como o simples ato de tocar em alguém pode despertar paradoxalmente seus instintos e seu auto-controle); A interação entre Valentina e seu chefe no ambiente de trabalho (reparem na expressão de Debbouze e percebam toda a complexidade de sentimentos que aquele personagem carrega); e, por último, a conversa mantida entre Serguei e Anna que, embora soe artificial no que diz respeito à Anna, também serviu muito para mostrar o quão complexo pode ser Serguei.

   Estes momentos, aliás, se beneficiam pelo fato de Meireles gostar imensamente de todos eles que, embora falhos e dúbios, também tem suas qualidades que os tornam interessantes aos seus próprios modos. Além disso, o fato de encerrar sua trama numa cena similar à primeira, demonstra que, no final de contas, fazemos escolhas que implicam na repetição de padrões de comportamento que nos tornam bem mais próximos do que podíamos supor. É como se, começando num ponto, voltarmos a ele para começar tudo de novo.

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