BREAKING BAD - PARTE I

25/05/2014 15:53

 

Obs.: texto referente às QUATRO PRIMEIRAS TEMPORADAS da série.


     Se tivesse que definir em uma palavra a trama de Breaking Bad, série produzida e recentemente finalizada pelo canal pago AMC, diria simplesmente: “árido”. Esta talvez fosse uma definição que melhor explicasse, aliás, todos os aspectos do seriado, da história à trilha sonora, passando pela fotografia, direção de arte e edição. O fato é que esta série foi tão impecável que é praticamente impossível defini-la numa resenha de poucas laudas. E depois de finalizada sua 4ª temporada (a 5ª temporada será descrita em resenha posterior), surpreendeu-me a capacidade de seus produtores de se reinventarem, deixando-nos no escuro e implorando pela resolução, que, como viram, veio bombástica e apoteótica na temporada final.

     Criada e produzida por Vince Gilligan, a história gira em torno de Walter White (Bryan Cranston), um professor de química de uma escola do secundário que aos 50 anos vê sua vida passar diante de seus olhos sem ele próprio ter realizado grandes feitos. Casado com Skyler (Anna Gunn), grávida, e cujo cotidiano é dedicado à família, e pai de Walter Junior (R. J. Mitte), jovem de 15 anos com paralisia cerebral, Walter vê sua vida completamente mudada quando recebe a notícia de ter um câncer pulmonar de 3º estágio, em região inoperável. Com sua situação financeira precária (tendo ainda um segundo emprego num Lava-Jato), Walter passa a ponderar sobre como deixará sua família após sua morte. Certo dia, ao acompanhar o cunhado Hank Schreder (Dean Norris), um agente do Departamento Anti-Drogas dos EUA, numa diligência à casa de um traficante de metanfetamina, Walter vê, fugindo por uma janela, o traficante e ex-aluno seu, Jesse Pinkman (Aaron Paul), tendo a idéia, mais tarde, de propor uma parceria inusitada ao jovem: usar seus conhecimentos de químico para produzir metanfetamina, enquanto que Jesse usaria seus contatos de traficante para vendê-las nas ruas.

     Ambientada e produzida na cidade de Albuquerque, Novo México, a série freqüentemente usa o deserto como metáfora para a transformação do protagonista, imerso a cada episódio num ambiente que sequer imaginara ser tão perigoso – o tráfico de drogas – e os esforços de Walt e Jesse para tentarem se estabelecer num cenário tão perigoso é o principal eixo dramático da 1ª temporada, além da tentativa de Walt em esconder seu trabalho paralelo de sua família, gerando conflitos inevitáveis com sua esposa, Skyler. Esta premissa expande-se rumo a uma história mais abrangente, onde o desenvolvimento dos personagens se dá na medida em que a vida dupla de Walter vai atingindo a todos ao redor.

     Aliás, pausa para analisarmos a qualidade inquestionável de todo o elenco regular de Breaking Bad que, sem exceções, é perfeito. Bryan Cranston, como Walter White, concebe um personagem que se permite entrar para um ambiente hostil com o propósito de prover sua família após sua morte, percebendo, mais tarde, que não há redenção nem saída quando se entra para este “jogo”. Além disso, existe algo de irresistível na "persona" criminosa assumida por White (o “Heisenberg”) que inevitavelmente o transforma num irremediável criminoso, ao longo das temporadas. E basta observar para onde Cranston levará sua criação que percebemos o quão genial foram seus esforços ao longo das temporadas. Anna Gunn, como Skyler, começa a série como a esposa pacata e frustrada com a vida misteriosa do marido, passando pela condição de amante do chefe (numa tentativa ingênua de fugir daquela situação criada por Walter), só, para, mais adiante, assumir a responsabilidade de comparsa de Walter ao ter que lidar com as “contabilidades” do marido. RJ Mitte, como Walter Junior, representa perfeitamente o filho que necessita dos cuidados especiais da família, sem a necessidade de ser estereotipado como o “filho deficiente” (e é valido lembrar que Mitte realmente tem uma leve paralisia cerebral).

     Dean Norris e Betsy Brandt, como Hank e Marie, também são bem-sucedidos ao representar aqueles que são, para os White, um porto-seguro, e Hank, em particular, é o único dentre aqueles personagens com o perfil do “herói” clássico, num contraponto direto ao anti-heroísmo do protagonista. Para completar, temos Aaron Paul como Jesse Pinkman que, ao lado de Skyler e Walter, tem um dos arcos dramáticos mais consistentes de todo o projeto, apresentando facetas variáveis na medida em que a série avança. E Paul, como intérprete, sempre se mostra fascinante em sua composição, já que, mesmo sendo um viciado inconseqüente (nas primeiras temporadas, é válido lembrar), nunca deixa de se mostrar complexo em suas ações, desde a relação explosiva com Walt às sutis aproximações com determinados personagens, que o permitem mostrar um personagem carismático sempre lutando contra sua natureza ambígua e autodestrutiva. E o choro dele nos braços de Walter ao confessar que amava Jane, sua namorada morta por overdose (na 2ª Temporada), é tocante por ilustrar bem esta fragilidade emocional.

     E o que dizer dos personagens secundários? Giancarlo Espósito, como Gus, estabeleceu-se como o principal antagonista da história, ao conceber um personagem educado e de ações comedidas e cautelosas, que escondem uma vilania implacável e uma inteligência acima da média; Jonathan Banks, como Mike, mostrou-se sempre fascinante ao representar perigo sempre que entrava em cena, mesmo que ele, a rigor, não falasse muito (e quando falava, mostrava uma sabedoria e um pragmatismo que lhe conferiam um irresistível carisma diante do público). E Bob Odenkirk, como o advogado Saul Goodman, representava o principal alívio cômico da série ao se mostrar sempre prático e surpreendente em sua eficiência profissional.

     A rigor, se há algo que definitivamente é a marca de Breaking Bad, é o termo surpreendente. Sempre iniciando seus episódios com imagens minimalistas ou flashbacks e flash-forwards que ajudam a avançar ou retroceder na história, a fim de salientar um determinado ponto-de-vista deixado no ar, a série é inventiva sem ser expositiva. Nada é ao acaso ou alto-indulgente (tampouco maniqueísta). Cada episódio destas quatro temporadas ajudou a desenvolver a trama principal sempre adiante (como as cenas com o ursinho roxo caolho, que gerou amor e ódio entre os fãs). Outra questão é o tempo cronológico da série, onde cada episódio sugere a passagem de poucos dias entre uma trama e outra (no episódio End Times, da 4ª temporada, somos informados de que pouco mais de 01 ano se passou na cronologia da série).

     Para completar, os diálogos. Nada que é dito pelos atores soa forçado ou piegas. Tudo é proferido de forma natural e genuína. Além do mais, os silêncios, longos ou curtos, sempre são usados como recursos dramáticos eficientes pelos atores, pois, dessa forma, sabemos como pensam os personagens ao vê-los calados e reagindo inquietos ao ambiente. Exemplos? Walt nas reuniões com sua família (o confronto com Hank para pegar a garrafa de uísque foi fabuloso ao simbolizar uma disputa de poder entre os dois); Jesse nos seus momentos mais angustiantes (na 3ª temporada, no episódio em que ele se veste no hospital, após ter alta, além do instante, no inicio da 4ª temporada, em que ele se senta em frente à uma caixa de som ligada e percebemos a analogia que aquele objeto representa no íntimo daquele personagem); E o que dizer do episódio Box Cutter, da 4ª temporada, em que Gus demonstra sua vilania sem proferir praticamente uma palavra? Mais sutil impossível. Outro exemplo fascinante é a participação genial de Mark Margolis, como Hector Salamanca e sua interpretação repleta de significados, sugeridas apenas a partir das expressões faciais do ator e pelo insistente toque na campainha acoplada em sua cadeira de rodas.

     Quanto à parte técnica, os mesmos elogios. Dos roteiros complexos às direções inspiradas, Breaking Bad, não costumava se utilizar de recursos formulaicos para contar sua história. Sua fotografia, de cores quentes que variam dos tons amarelados e laranjas ao retratar o deserto, ao verde e azul, quando as cenas se passam no laboratório de Gus (o azul, graças à blue meth de Walter), bem como os tons vermelhos, ao salientar graficamente a violência presente na série. Além disso, certos quadros são mais fechados toda vez em que a situação envolve certas passagens que exigem confrontação ou inquietação entre dois ou mais personagens, criando desconforto no espectador (Walter e Hank e Walter e Skyler, por ex.). Desconforto, aliás, e a sensação que todos temos ao assistir o seriado, graças à tensão crescente em todos os episódios (não me lembro de escapismos em Breaking Bad). Soma-se a isso, um design de som que explora os barulhos provenientes do próprio ambiente, num tratamento mais diegético (é sempre agradável ouvir o som vindo das ruas, do deserto e demais locações da série).

     E temos a edição, que consegue organizar uma história que, em suma, se aprofunda a cada episódio em basicamente todos os personagens, dos regulares aos secundários. E aqui, vale mencionar a última cena da 3ª temporada, trazendo determinado personagem apontando a arma para alguém. Neste momento, um sutilíssimo travelling no momento do tiro gerou, imediatamente, a impressão de que o atirador tivesse apontado para o lado errado, numa estratégia bem-sucedida de Cliffranger (gancho para uma continuação posterior).

     Quanto à direção de arte, esta concebeu os cenários de acordo com a personalidade de cada personagem. Desta forma, temos a casa dos Schreder, adornados por objetos que certamente foram adquiridos graças aos furtos de Marie (reparem como o roxo é recorrente naquela personagem); A casa dos White, concebida a princípio como um lar tipicamente suburbano, com espaços mais apertados e cômodos bagunçados, sendo tomados posteriormente por constantes penumbras, na medida em que a vida dupla de Walt vai se tornando cada vez mais evidente. Por último, os ambientes resididos por Jesse, com a ausência de mobília e cujos espaços sempre são caóticos em sua concepção, trazendo sujeira e desorganização e freqüentados por viciados, prostitutas e toda a sorte de marginalizados, e que, a partir da 2ª metade da 4ª temporada, sem a presença dos viciados, passa a sugerir, a partir de pouquíssimos móveis e eletro-eletrônicos, uma tentativa do personagem de criar um ambiente familiar e mais saudável para ele, Andrea e Brock. É interessante, aliás, como a concepção visual caótica da casa de Jesse assemelha-se ao “caos criativo” observados no escritório de Gus, todo amontoado de papéis e caixas, contrapondo-se, inclusive, com a própria casa daquele personagem, limpa e organizada, refletindo os modos do vilão.

     Para finalizar, não poderia deixar de lembrar que a segunda parte desta resenha discorrerá justamente sobre o principal pano de fundo deste seriado, as drogas e a marginalidade que espreitam Albuquerque, e como estes subtemas entrelaçam de forma engenhosa todos os personagens vistos neste magnífico seriado.

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