HARRY POTTER E AS RELÍQUIAS DA MORTE - PARTE 2

09/06/2014 01:57

 

Finalizando a franquia iniciada em 2001 com o eficiente A Pedra FilosofalAs Relíquias da Morte – Parte II aposta no tom obscuro e sombrio que tomou parte da saga de forma definitiva no excelente O Enigma do Príncipe, quando o ressurgimento de Lorde Voldemort finalmente tomou proporções trágicas. E se antes a saga priorizava o revezamento de diretores entre um projeto e outro, resultando na diferença de abordagens entre ambas (sendo Alfonso Cuáron o mais bem-sucedido dessa fase, com o seu O Prisioneiro de Azkabam), foi a entrada de David Yates a partir do regular A Ordem da Fênix, que deu à saga do jovem bruxo o clima e a urgência definitiva para que se tornasse, anos depois, num feito considerável do cinema. Soma-se a isso o ótimo trabalho de Steve Kloves na adaptação cinematográfica, sempre supervisionado pela escritora J. K. Rowling.

Além disso, quando o conflito entre Harry e Voldemort passou a tomar conta do enredo, um problema recorrente nos roteiros parece ter desaparecido no mínimo, diminuído: a cronologia confusa dos cinco primeiros filmes, já que era bastante problemático aceitarmos que estas histórias se passavam no período de 01 ano, o que prejudicava um pouco a experiência. Assim, O Enigma do Príncipe e As Relíquias da Morte, a fim de atender esta nova exigência, abandonaram quaisquer estratégias que suavizassem os enredos que, com a promessa do embate final entre os dois arquiinimigos, assumiu a responsabilidade de mostrar de forma crua e sombria, as conseqüências desse embate. E se J. K. Rowling está de parabéns por transpor sua história à esse nível, Steve Kloves e David Yates merecem créditos pela fidelidade à esta nova exigência.

Desta forma, se antes (bem lá atrás!), Harry, Hermione e Ron se mostravam fascinados e curiosos por aquele universo, agora surgem abatidos e com os rostos cheios de hematomas, trazendo, cada um, sua parcela de traumas: Harry culpa-se pelos amigos que perdeu por causa de Voldemort, Hermione, cujos pais tiveram suas lembranças da filha apagadas por ela, a fim de preservá-los e Ron, outrora brincalhão, já demonstra não suportar tanto sofrimento. 

Assim, quando Harry Potter e as Relíquias da Morte – Parte II tem início, reencontramos o trio de protagonistas escondidos, num casebre longe das vistas de Lorde Voldemort que, por sua vez, está se preparando para sua investida final à Hogwarts. Enquanto isso, ficamos sabendo por parte de um duende, informações relevantes a respeito das Horcruxes (relíquias que detém partes da alma de Voldemort). Para isso, é preciso que os protagonistas partam em direção à um cofre subterrâneo, denominado Gringotes, cujo conteúdo é guardado por um gigantesco dragão. Depois dali, Hogwarts será o palco final para o combate entre Harry e Voldemort.

Mas não são só perigos que As Relíquias da Morte – Parte II contém. A imaginação fértil dos realizadores parecem não ter limites também para os aspectos técnicos. Por exemplo: na seqüência em Gringotes, observamos fascinados o longo trilho subterrâneo que levam os protagonistas até o cofre onde se encontra uma horcruxe (uma taça, especificamente). Lá, se deparam com o “Dragão Ucraniano”, cujo design destaca-se pelos detalhes, como comprovam as cicatrizes provenientes das correntes em volta do animal, além do seu jeito de se movimentar, que sugere anos de domesticação em cativeiro, resultando no momento magnífico quando este mesmo dragão, depois de liberto, parece tomar fôlego antes de alçar vôo e, quando o faz, mostra-se cambaleante e desajeitado. Além disso, a mágica envolvendo os objetos que se duplicam quando tocados fascinam pela inventividade e o perigo que representam. Destaque também para a trilha sonora de Alexandre Desplat, que se mantém triste e melancólica durante todo o filme e só mudará de tom somente nos créditos finais.

E não é só isso. O próprio ataque à Hogwarts, quando milhões de varinhas lançam simultaneamente seus feitiços e são impedidos por um escudo protetor criado pelos professores, resultam num espetáculo visual belo, mas dramático. E o que falar sobre o retorno à certos lugares vistos em longas anteriores, como a Sala Precisa e a Câmara Secreta (cujos dentes do Basilisco terão função vital contra as Horcruxes). Mas é ao sair da Sala Precisa, após um momento de tensão, que nos deparamos com aquela que talvez seja uma das cenas mais simbólicas da saga: um plano aéreo onde Harry, Ron e Hermione, em suas vassouras, assistem os comensais e dementadores de Voldemort destruindo as torres e a fachada de Hogwarts, obrigando-nos a repensar que aquele lugar fora, em outros tempos, seguro e intransponível e agora não passa de poeira e escombro.

E se Hogwarts não é mais segura, o combate dos alunos e professores contra o exército de Voldemort não poderia ser mais desigual. E a cena onde um lobisomem ataca uma aluna choca pela crueza, além dos planos onde vemos outros alunos mortos pelos cantos, numa constatação fria e direta daquilo que representa o perigo de Voldemort (definitivamente, o tom bucólico e tranqüilo de A Pedra Filosofal não se aplica mais aqui!). E o que dizer do ataque da cobra Nagime à determinado personagem que, mesmo visto pela perspectiva de outro personagem que se encontra atrás de uma parede, ainda assim sugere uma violência, mesmo sem retratá-la diretamente.

E a saga Harry Potter não seria a mesma coisa se não contasse com um elenco tão admirável: se por um lado Daniel Radcliff, Emma Watson e Rupert Grint amadureceram – artística e fisicamente – nestes dez anos, atores já consagrados como Maggie Smith, Alan Rickman, Michael Gambon e Ralph Fiennes deram o suporte necessário para o sucesso da saga. Aqui, pausa para Rickman em particular, cuja composição sempre elogiada de seu Severus Snape contrasta de forma radical com a postura de seu personagem em determinado flashback, na metade final do filme, onde, de forma tocante, nos é revelado as reais motivações de seu personagem (em termos dramáticos, um dos pontos altos do filme). Além disso, devo acrescentar que Radcliff, na cena em que caminha pelo salão destruído de Hogwarts e observa os mortos, é certamente uma das melhores dele em todos esses oito filmes, pois representa o sofrimento desse jovem personagem ao constatar quantas pessoas se sacrificaram por ele até ali.

Mas As Relíquias da Morte – Parte II não e só perfeição, pois alguns pontos da trama necessitaram de melhor esclarecimento, como por exemplo, os irmãos de Dumbledore, que surgiram e só serviram aos propósitos imediatos do roteiro (Harry precisava entrar em Hogwarts sem ser notado e a imagem dele sobre Dumbledore precisava ser contestada). Além disso, Ron e Hermione resolveram seus problemas “platônicos” muito rapidamente, mais talvez “eu” esteja sendo muito rigoroso, neste caso. E os momentos de humor, embora eficientes na maioria das vezes, não funcionam em outras. E a súbita sagacidade de Ron soou forçada algumas vezes (lá vai eu sendo “rigoroso” de novo). Porém, a maquiagem do trio – além de Gina e Draco – no epílogo, não convenceu em nenhum momento, embora este momento seja responsável por aquele único instante em que Harry voltou a sorrir e o que não deixa de ser satisfatório para o público.

Tropeços à parte, Harry Potter e as Relíquias da Morte – Parte II fecha com chave de outro uma franquia que, mesmo tendo alguns tropeços aqui e ali, nunca foi capaz de fazer um filme ruim, pelo contrário, seu desenvolvimento foi sempre adiante, respeitando sua lógica interno e presenteando os fãs com uma saga capaz de agradar crianças e adultos, num exemplo bem sucedido nessa ‘dobradinha’ entre literatura e cinema, que, esperemos ver em outros projetos similares.

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