JULGAMENTO EM NUREMBERG (1961)

25/05/2014 19:16

 

 Nota do Site: 5/ 5

 

     Há filmes que tornam-se testemunhos de uma época apenas por se preocuparem em contar sua história da forma mais fiel possível à realidade da qual se baseou. Julgamento em Nuremberg, filme escrito por Abbe Mann e dirigido por Stanley Kramer em 1961, cumpre perfeitamente esta função, apresentando-nos a uma narrativa repleta de informações históricas referentes à Segunda Guerra Mundial, a partir dos depoimentos dos réus (juízes alemães dissidentes do Partido Nazista), testemunhas e argüições da promotoria e defesa, sendo, neste sentido, um show de retórica por parte dos dois lados envolvidos e o melhor, sem que pra isso apele pra qualquer maniqueísmo, algo que, numa produção simplista seria o jeito fácil de conduzir a história.
 
     Estrelado por uma constelação de astros do cinema, a história gira em torno do juiz Hayhood (Spencer Tracy), juiz aposentado do Maine que aceita a difícil tarefa de presidir a Corte de Nuremberg no julgamento que irá julgar os crimes de guerra e as responsabilidades de cidadãos, políticos e juízes colaboradores e/ou correligionários do Terceiro Reich. Representando a promotoria, temos o Cmte. Lawson (Richard Widmark), cujo entendimento sobre o caso paira sobre a idéia de que o “julgamento” representa a condenação de toda a omissão que o povo alemão teve ou possa ter tido na guerra. Quanto à Defesa, temos o promissor advogado Herr Holfe (Maximilliam Shell) com a responsabilidade de demonstrar à Corte que uma condenação dos réus condenaria diretamente toda uma geração de alemães.

     Antes de qualquer coisa é importante destacar a preocupação do filme em demonstrar as linhas de raciocínio dos dois lados envolvidos, ressaltando sempre as conseqüências que uma possível condenação e/ou absolvição dos réus representaria aos cidadãos alemães e ao mundo. Neste clima crescente, onde a geopolítica internacional caminhava para uma rápida bipolarização entre União Soviética e EUA, cada depoimento tomado representava, ainda, uma expectativa de bastidores, principalmente entre os altos oficiais americanos que, ocupando a Alemanha naquele momento, mostravam uma preocupação de que as condenações pudessem prejudicar o processo de reconstrução do país, no sentido de que os americanos pudessem ser hostilizados pelos alemães e perder terreno para os esforços da União Soviética, que vinha ocupando espaço no Leste Europeu.

     Enquanto os americanos se preocupavam com o avanço comunista, demonstrando cautela no julgamento, tornando a própria postura da promotoria tão dissonante, a defesa embasava sua argumentação na idéia de que aquela condenação pudesse representar para as próximas gerações de alemães, tendo na figura do juiz Ernst Jannings (Burt Lancaster), a principal referência intelectual, aquele a quem todos sequer ousariam condenar, dada sua relevância. Soma-se a isso a postura do próprio réu que, se inicialmente afronta o tribunal ao não reconhecer sua legitimidade, gradualmente passa a se dar conta de sua própria omissão frente ao regime Nazista. O mais impressionante é que este “desenvolvimento” do personagem se dá sem praticamente ouvirmos a voz de Lancaster que, desta forma, carrega o filme somente com a “aura” que seu personagem sugere com sua postura calada e observadora.

     E não é só Burt Lancaster o grande destaque deste fabuloso filme. Incorporando o juiz Hayhood com serenidade e extrema ética, Spencer Tracy compreende, em sua composição para o personagem, toda a pressão que este profissional já aposentado passa pela tarefa aceita. Ao mesmo tempo, é importante ressaltar que o personagem tem a certeza de que, independente do resultado do julgamento, este compreende perfeitamente que o mundo já mudou o suficiente para encarar Nuremberg como um entrave para a tão desejada integração (integração entendida como o conceito por trás da bipolarização mundial do pós-guerra). É importante ressaltar, além disso, que a estadia do juiz Hayhood em Nuremberg nos diz mais sobre sua vida do que podíamos supor de início, já que a convivência com aquelas pessoas reflete o próprio peso que o julgamento traz para ele.

     Completando o elenco, temos Marlene Dietrich que, como Mrs. Bertholt representa a parcela de alemães que, apoiadores do regime Nazista, afirmam não ter conhecimento das atrocidades cometidas em nome de Hitler e que agora empenham-se em reconstruir a cidade. Por isso sua preocupação genuína com o resultado do julgamento e sua aproximação gradual do juiz Hayhood. Enquanto isso, temos as pontas de Judd Garland, como Irene Woffman, e Montgomery Clift, como Rudolf Petersen, representando respectivamente as vítimas do regime. Seus depoimentos, por causa disso, constituem dois dos principais momentos dramáticos do longa. Clift, como uma vítima de esterilização, emociona pela sua composição frágil repleta de pausas, gesticulações e debilidade mental decorrente provavelmente da esterilização. Judd Garland, por sua vez, encarna uma ex-presa convencida pelo promotor Lawson a depor no julgamento com o intuito de sensibilizar o tribunal para a culpa dos réus e, ao ser confrontada com a defesa, serve como gancho para tirar da passividade o próprio juiz Jannings que, ao ver a ação do advogado de defesa, resolve se pronunciar sobre sua culpabilidade no processo.

     E é neste exato momento que Jannings, ao se expor frente às acusações, relata aquilo que já vinha sendo exposto, em maior ou menor grau, pela promotoria: a colaboração dos magistrados alemães junto ao Terceiro Reich, com julgamentos forjados e manipulados pelo Governo, eram o retrato fiel de uma passividade que não se justificavam sob nenhum pretexto. E Burt Lancaster – um dos maiores atores de todos os tempos – soube retratar fielmente esta contradição, ao compor um personagem orgulhoso em sua postura de não-reconhecimento do Julgamento ao mesmo tempo em que tentava justificar suas ações tomando como base a idéia de que ele, como magistrado que era, tinha que fazê-lo (e se houveram excessos, a culpa foi do próprio Reich, segundo ele dizia). Mas é a preocupação de seu personagem com a exposição da personagem de Garland que o torna tão complexo e fascinante.

     Como se não bastasse esse debate, é de se salientar a postura do próprio Cmte. Lawson que, ao expor vídeos caseiros sobre os mortos dos campos de concentração, traduz a própria postura americana frente à finalização do Julgamento de Nuremberg, usando deste estratagema para chocar e esvaziar qualquer argumento que a defesa dos alemães pudesse apresentar o que, de certa forma, deu resultado, pois o próprio advogado de defesa (cuja retórica era bem mais eficiente, diga-se de passagem) ficou vacilante após testemunhar estas imagens.

     E chegamos, enfim, ao próprio veredicto do juiz Hayhood que, salientando a idéia de que, sabendo ou não do que ocorria nos campos de concentração, os magistrados alemães cometeram, sim, excessos e, recusando-se a se inteirarem dos fatos, contribuíram, em larga escala, para as atrocidades do Reich. E a conversa final entre Jannings e Hayhood, logo após o veredicto final, deixa claro esta tese do filme que, não assumindo completamente nenhum dos lados envolvidos, optou por uma explicação bem mais complexa e abrangente que tornou a obra uma referência histórica e jurídica, constituindo-se, dessa forma, em uma obra-prima que, só por nos brindar com deuses como Burt Lancaster, Spencer Tracy, Marlene Dietrich, Montgomery Clift, Judd Garland, Maximiliam Schell e Richard Widmark em seu casting, já é, por si só, um filme capaz de emocionar qualquer cinéfilo!

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