O MUNDO DO TRABALHO E A FLEXIBILIZAÇÃO DO EMPREGO

24/05/2014 16:11

 

Obs.: Resumo/ Resenha do texto "Admirável trabalho novo, da jornalista Priscila Gorzoni para a Revista de Sociologia (Editora Escala, s/ ano)


 

De acordo com Priscila Gorzoni, “ao longo dos anos vem se observando, em diversas partes do mundo, uma modificação nas formas e estruturas de trabalho”. Estas modificações – prossegue a autora – devem-se em boa parte às “mudanças dos paradigmas do trabalho, às inovações tecnológicas e à globalização, que rompeu com a barreira da distância”. Para a jornalista, vivemos hoje no mundo do trabalho uma nova dinâmica social moldada pela era digital e pela rapidez e instabilidade derivada dela, pois, de acordo com este pensamento, as facilidades da era digital exigem do profissional certa qualificação e um novo perfil que ultrapasse o mero domínio de sua função no trabalho, aumentando, em contrapartida, a falta de vínculos do trabalhador, além da efemeridade dos contratos trabalhistas e, em última instância, o desemprego (para aqueles que não conseguem se enquadrar no moderno perfil de trabalhador/ empregado/ profissional de mercado). Essas mudanças geram dessa forma uma acentuada reconfiguração da dinâmica social, pois exigem do trabalhador uma contínua atualização profissional bem como o domínio da tecnologia a serviço de seu trabalho/ atividade.

Recorrendo às análises do sociólogo norte-americano Richard Sunnett, Priscila Gorzoni aponta para o dado preocupante de que houve, nos últimos anos, um aumento do volume de atividades sem a elevação compatível de salário e benefícios, além de promover, no âmbito da organização do trabalho, a perda da identidade deste profissional pois, de acordo com Sunnett, a falta de vínculo com o local de trabalho, a diminuição ou perda dos laços de solidariedade dentro da empresa bem como a degradação e humilhação na seleção de profissionais cujos altos escalões mascaram-na com supostas “ações recreativas voltadas para uma maior ‘qualidade de vida’ dos seus ‘colaboradores’.

Aprofundando-se na questão da dinâmica social produzida por esta nova configuração do trabalho, Sunnett aponta para a nova natureza, mais flexível, do capitalismo. E completa: “atacam-se as formas rígidas da burocracia e também os males da rotina cega”, ou seja, a flexibilização do “moderno” capitalismo exige que os trabalhadores adotem certa agilidade que os permitam se preparar para mudanças de curto prazo e que assumam riscos continuamente, dependendo cada vez menos de leis e procedimentos formais, o que pode explicar, talvez, a perda da solidariedade (entendida aqui estritamente no âmbito durkheimiano) e o empobrecimento das experiências pessoais no âmbito da empresa, já que o trabalho a curto prazo acentua o individualismo e a competitividade, extrapolando o espaço do trabalho e se estendendo às outras formas de socialização. E como diz Gorzoni: “em um mundo fragmentado, de relações efêmeras, cortadas, instáveis, sem continuidade, tampouco margem de segurança, tudo, inclusive o trabalho, perde a referência e a compreensão”.

Além das formas de trabalho, Gorzoni aponta também para a reconfiguração das estruturas de poder no espaço de trabalho. Nesta perspectiva, foca-se na relação capitalista-trabalhador a partir de uma nova ótica onde “troca-se a empresa pela casa e o controle face a face pelo meio eletrônico”, aumentando a ausência de vínculos estáveis entre empregado e empresa, e gerando também certos paradoxos no processo, como a valorização do jovem como opção viável, dado o caráter dócil deste, muito embora condicione sua contratação à experiência prévia, muitas vezes inexistente.

Completando suas análises, Sunnett aponta ainda para a precarização das relações interpessoais numa sociedade onde priorizam-se laços superficiais e supérfluos, imediatistas e descartáveis, com tendência patológica para a efemeridade e falta de legitimidade.


 
Globalização e Pós-modernismo

 

globalização, entendida aqui como um dos conceitos condicionantes para a flexibilização do trabalho e sua consequente mudança da dinâmica social, são ressaltados também pela pesquisadora Sonia Laranjeira, sobretudo no que diz respeito à nova relação entre o profissional e o trabalho. Para Sonia (2000) a digitalização representou uma mudança de paradigma “pois por intermédio dessa tecnologia estruturou-se uma nova lógica de ação sobre o mundo”.

Já para Octávio Ianni (2001), este analisa o mundo como sendo atravessado por uma ruptura histórica, capaz de transformar os modos de vida e do trabalho radicalmente, bem como suas formas de sociabilidade e ideias. Para ele, nada permanece e o que permanece não é mais a mesma coisa... Ainda de acordo com Ianni, as modificações ainda estão em curso e resultarão no abalo dos quadros sociais, na mentalidade e nos referenciais da coletividade universal. No cerne desta questão estão a total flexibilização (ou mesmo relativização) dos conceitos de tempo e espaço. Considerando que Ianni escrevera estas análises em 2001, acredita-se que este processo já esteja avançado, em maior ou menor grau. Esta flexibilizaçãorelativização dos conceitos de tempo e espaço encontra eco também na perspectiva de David Harvey (2002) quando ele associa esta época de heterogeneidade, fragmentação e indeterminação como fatores preponderantes da nossa ‘condição pós-moderna’, uma época de reação à monotonia, modernismo, verdades absolutas, positivismo e padronização do conhecimento e da produção.


 
O “novo” perfil do trabalhador

 

O trabalhador moderno, aquele inserido no contexto de intensa flexibilização, deve ter de acordo com as corporações as seguintes características: atenção, concentração, discernimento, pensamento lógico, criatividade, tomada de decisão, planejamento e organização. O novo modelo de trabalho “aceita o desafio de conciliar produção, lucro e valorização da pessoa humana. Resgata a saúde como patrimônio fundamental (...) e entende o trabalho como ação de transformação da realidade interna do trabalhador e do diálogo e aprendizagem constante”.

Neste sentido, para Gorzoni é preciso propiciar um clima de bem-estar entre os ‘colaboradores’, incentivando-os à convivência com a família ao mesmo tempo em que oportuniza-os à treinamentos e qualificações constantes. Num processo de recrutamento, o mercado privilegia profissionais com iniciativa e inteligência mesmo que, na prática, a empresa não forneça as condições para isso, um tipo de discurso padrão que é absolutamente importante para entendermos os discursos dos empregadores no que tange à seleção e manutenção deste profissional. Assim, “o trabalhador (...) teria a autonomia para decidir a maneira que julga adequada para atingir o resultado [do trabalho] esperado [pela empresa]”. Neste sentido, redirecionam-se fisicamente os espaços de realização do trabalho, que passam a se dar longe do escritório ou da fábrica, centralizando-se em home offices conectados virtualmente à empresa.

Por trás dessa nova tendência estão os esforços das empresas e seus empregadores em conter os custos com relação ao empregado no que diz respeito às leis trabalhistas, sobretudo no Brasil, onde os custos em se manter um empregado com carteira assinada era o dobro de um não-registrado, optando dessa forma (e dependendo obviamente do ramo de atividade em questão), por estabelecer contratos flexíveis, onde a remuneração seja condicionada ao resultado do trabalho do empregado/ colaborador (ou “parceiro”).

Para Maria Aparecida Araújo, essa “nova” relação trabalhista permite a reaproximação do profissional com sua família, determinando o tempo gasto no trabalho sem se preocupar com os inconvenientes óbvios do dia-a-dia, como a violência na ruas e o transito, por exemplo. Por outro lado, esse “novo trabalhador” fica à margem dos processos decisórios da empresa bem como priva-se da convivência diária com os outros profissionais, reforçando-se o empobrecimento das relações pessoais no ambiente de trabalho. Além disso, o moderno trabalhador obriga-se psicologicamente a disciplinar sua jornada de trabalho, orientando-a para a realização de suas atividades pois, afinal de contas, sua remuneração depende disso.

Desta forma, cria-se um perfil de trabalhador que necessariamente precisa assumir riscos ao buscar em seus esforços soluções proativas que o permita alcançar os resultados esperados pela empresa empregadora. Somando isso com a falta de vínculos desse novo trabalhador, fica fácil adivinharmos que o resultado esperado disso, além de tudo que já foi exposto aqui, é a profunda reconfiguração de uma dinâmica social que não se restringirá somente à questão das relações sociais, mas para além delas. Só não sabemos direito quais mudanças serão essas. 

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