UM DRINK NO INFERNO

01/09/2014 22:20

 

Cotação: 4/ 5

       

Nota: este texto contém spoilers!

 

Em 1996, quando ainda estava colhendo os louros por Pulp Fiction, Quentin Tarantino se via envolvido com outro projeto bem menos ambicioso mas não menos diferente do estilo que o diretor vinha tentando estabelecer desde então: Um Drink no Inferno, um filme cujo estilo e tema escancaravam claramente a intenção do diretor em homenagear os filmes B, tendo no elenco atores em ascenção no cenário hollywoodiano e outros já estabelecidos pela indústria. Entretanto, era intenção de Tarantino apenas escrever a história (a partir do argumento de Robert Kurtzman) e deixar a direção nas mãos do seu amigo e parceiro Robert Rodriguez, que vinha àquela altura de um bom começo depois de filmes bacanas como El Mariachi e A Balada de um Pistoleiro.

Assumindo a direção de um filme construído quase que totalmente inspirado no estilo do amigo (aliás, o filme é basicamente a reunião de camaradas divertindo-se à beça na condução deste filme), o filme tem início num daqueles momentos fortuitos onde uma simples conversa serve para nos introduzir à história em curso, quando num determinado instante, a cena abruptamente passa a exigir uma certa tensão que só vai aumentando nossa expectativa para o seu desenrolar.

Além disso, a história dos irmãos assaltantes Seth (George Clooney) e Richie Gecko (Quentin Tarantino) serve apenas como pretexto para desenvolver-se a relação deles a partir da fuga e da matança que promovem no meio do caminho até encontrarem, num hotel de beira de estrada, o ex-pastor Jacob (Harvey Keitel) e os filhos Kate (Juliette Lewis) e Scott (Ernest Liu), a quem eles passam a mantê-los como reféns obrigando-os a levarem os irmãos até a fronteira do México, em direção ao isolado bar Tilly Twister.

Aliás, é lícito observar que até a chegada no referido bar, o filme leva não mais do que inacreditáveis 42 minutos pra acontecer, o que demonstra a calma com que Tarantino e o diretor Robert Rodriguez demoram até revelarem a verdadeira surpresa ao espectador: uma ameaça vampiresca recheada de referências e tratamento visual de filme B, onde o humor das sequencias encontra espaço frutífero ao lado dos momentos mais dramáticos dados pelo filme.

Um Drink no Inferno, aliás, é um daqueles filmes-homenagem que não hesita sequer em trazer para o espectador o mesmo ator em três personagens diferentes (na verdade, são três “pontas” diferentes!). Além disso, o visual dos vampiros é igualmente autorreferente ao trazer os atores numa maquiagem pesadíssima típica dos anos 1970 e 1980. E o efeito visual dos vampiros se “liquefazendo” remete à “tecnologia” de filmes como “A Coisa”, o que acaba divertindo ao expor a fragilidade do referido recurso visual num filme que começou pretensioso e com ares de filme sério. É como se Rodriguez, Tarantino e Cia estivessem rindo daquilo tudo mas sem nunca parecer ofensivo com o material que o inspirou. Aliás, existe algo mais caricato do que as mãos de um vampiro percorrendo os braços e ombros de um sujeito por trás antes de mordê-lo? E o que dizer das vampiras empaladas “uma a uma” em pés de mesa?

E se num filme como esse a intenção é parodiar o subgênero que o inspirou, as interpretações que permeiam o filme não poderiam ser diferentes: George Clooney, que naquela época ainda labutava na televisão, compõe aqui um personagem que impõe medo mas que constrói inquestionavelmente um anti-herói perfeito no terceiro ato, o que já demonstrava o imenso carisma do ator para as telas, ao mesmo tempo em que nos apresentava seus inconfundíveis “cacoetes”. Tarantino, como Richie, se não é um bom ator, ao menos nunca desaponta nesta função, sendo eficaz ao seu próprio modo. E se Ernert Liu e Juliette Lewis pouco podem fazer com seus personagens, é Harvey Keitel que nos traz o melhor personagem do filme: em dúvida sobre sua vocação religiosa depois da morte da esposa, Jacob Fuller é um sujeito introspectivo que encontra no caos a resposta para sua fé abalada. E temos ainda Salma Hayek, claro, linda, sedutora, enigmática e “sedenta”.

Fechando seu filme com uma imagem que nos dá uma idéia do quanto de destruição os “seguidores” do Tilly Twister proporcionaram até aquele encontro com Seth e seus “amigos”, Um Drink no Inferno comprovou, àquela altura, o talento de Tarantino para a violência gráfica e para narrativas repletas de referências cinéfilas. E se Robert Rodriguez acabou não se revelando um cineasta um pouco mais ambicioso, não foi por falta de ajuda de seu padrinho e amigo Quentin Tarantino.

 

  

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